Evento foi promovido pela seção, na última quinta (21), no auditório do CREA-DF, em Brasília, com apoio da Aesbe.
A Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental Seção Distrito Federal (ABES-DF), com apoio da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) e do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Distrito Federal (CREA-DF), promoveu uma discussão de alta qualidade para avaliar os caminhos para a universalização da drenagem e as ações para viabilizá-la, com uma produtiva troca de ideias e propostas para vencer este desafio. O evento aconteceu na última quinta-feira, 21 de março, no auditório do Crea-DF, em Brasília.
O debate contou com participação de professoras da Universidade de Brasília (UnB), técnicos da Secretaria dE Projetos, Orçamento e Planejamento de Obras, da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) e da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (ADASA) e representantes da ABES, com amplas discussões nos dois painéis em que foi dividido o evento.
O primeiro painel, que debateu os avanços da drenagem a partir do Plano Diretor de Drenagem Urbana (PDDU) e do Plano Distrital de Saneamento Básico (PDSB), foi moderado pela professora de Arquitetura e Urbanismo da UnB, Liza Maria de Souza Andrade. Os debatedores foram Mateus Bezerra Alves da Costa e Luciano Leonardo Leoi, técnicos reguladores da ADASA, e Hiltton Antônio Moreira, da Novacap.
A professora Liza abriu o debate falando sobre a necessidade de se promover uma transição ecológica. Segundo ela, o que está acontecendo no mundo foi previsto há 50 anos e pouco foi feito para evitar o colapso. “O ciclo da água é composto por solo, vegetação e atmosfera e estamos impermeabilizando o solo, cortando a vegetação e as mudanças climáticas estão alterando a atmosfera”. Segundo ela, é preciso fazer as interfaces necessárias porque a drenagem não pode ser tratada de forma separada. “Temos que pensar em como trazer a natureza para o centro, acalmar as águas, pensar em outro modelo de urbanismo e o desafio é a ação conjunta porque a drenagem não pode ser tratada de forma separada”, concluiu.
Fiscalização da reguladora
A primeira apresentação foi do engenheiro civil Mateus Alves da Costa, regulador de serviços públicos da ADASA, que mostrou o trabalho realizado pela agência reguladora, uma das poucas no Brasil que regula drenagem. Mateus destacou a recente concessão da responsabilidade pela prestação de serviços de drenagem para a Novacap como um importante passo para a evolução do trabalho.
Ele citou diversos projetos realizados pela ADASA, como o Banco de dados do Sistema de Drenagem Urbana, a digitalização, georreferenciamento e vetorização de quase 3 mil desenhos de cadastros técnicos de projetos que tem por objetivo estimar a área impermeabilizada por meio de classificação automática de imagens. Segundo ele, a impermeabilização chega a 34% do solo do DF, sendo 50% público e a outra metade causada por atividade privada.
Mateus informou que a ADASA está elaborando um Plano de Contingenciamento da Vila Cauhy, no Núcleo Bandeirantes, depois das enchentes deste ano, que pode servir de referência para outras áreas. Este plano terá colaboração da Defesa Civil, Novacap, Brasília Ambiental e outras instituições, na mesma linha de trabalho conjunto proposta pela professor Liza.
Monitoramento qualidade da água
O coordenador de Fiscalização e Monitoramento da Superintendência de Drenagem Urbana da ADASA, Luciano Leoi, deu sequência à apresentação do trabalho da ADASA. Ele citou o monitoramento da qualidade da água em 220 pontos, realizado tanto em tempo chuvoso como no tempo seco. Luciano falou sobre o monitoramento das chuvas urbanas intensas, que pode contribuir para distribuir melhor os recursos por regiões, de acordo com os índices de chuvas.
Leoi comentou o Plano Anual de Fiscalização da ADASA, que prevê ações programadas e não programadas, citando o caso do rompimento da bacia de detenção do Itapoã, ocorrida em janeiro deste ano que exigiu a ação da ADASA.
Papel da Novacap
Na sequência, Hiltton Antônio Moreira, da Novacap, disse que Brasília já nasceu com o conceito de estrutura verde, depois incorporou o conceito de drenagem sustentável na década de 70 e agora busca soluções baseadas na natureza (SbN) para lidar com os problemas de drenagem no DF. Ele citou algumas soluções que podem ser adotadas ou ampliadas no DF, como telhado verde, jardim de chuva, vagas de estacionamento verde, calçadas com poços de infiltração e biovaletas.
Hiltton disse que 117 reservatórios de contenção foram implantados nos últimos quatro anos, além de contratos que envolvem drenagem que somam R$ 420 milhões. “Valores significativos e crescentes”, disse.
Ele informou que uma das maiores ações da Novacap é a desobstrução de redes e sistemas de drenagem. Segundo ele, 75% dos entulhos retirados das bocas de lobo são restos de obra, a maioria domésticas.
Dispersão urbana
Após as apresentações, a professora Liza, moderadora do debate, definiu Brasília como uma dispersão urbana, que faz investimentos em vias, rodovias, viadutos, que provocam distorções e comprometem o fluxo das águas. “O transporte público não funciona e isso tem a ver com drenagem”. Ela defendeu mais investimentos em transporte público e a participação da população em planos comunitários.
A discussão sobre como remunerar os serviços de drenagem para que a Novacap tenha verba própria tomou conta do debate em seguida. Luciano lembrou que as várias empresas públicas criadas a partir da Novacap, como Caesb e CEB, levaram as tarifas e a Novacap ficou com a drenagem, que não tem cobrança atrelada.
Para encerrar, a professora Liza insistiu na necessidade trabalhar em parceria com todos os envolvidos para encontrar soluções.
Painel 2
Caminhos e ações para viabilizar universalização
“Utopia faz a gente caminhar para a frente”
O segundo painel , moderado pelo engenheiro civil Ernani de Miranda, vice-presidente da ABES, contou com a participação de quatro debatedores: a professora Conceição de Maria Alves, professora do Departamento de Engenharia Civil da UNB, dois subsecretários da Secretaria de Obras e Infraestrutura do GDF: a engenheira Ery Brandi de Oliveira, subsecretária de projetos, Orçamento e Planejamento de Obras e o engenheiro florestal Aldo César Vieira, subsecretário de Acompanhamento Ambiental e Políticas de Saneamento. E o diretor da ABES/DF Adauto Santos do Espírito Santo, que é engenheiro civil e consultor na área de saneamento básico e meio ambiente.
Ernani abriu o debate descrevendo a situação favorável do DF, que possui os Planos de Saneamento e Diretor, uma estrutura de funcionamento instalada e consolidada, a regulação da drenagem, o Conselho de Saneamento e mesmo assim a situação está se agravando.” Precisamos de um modelo estruturado, receita própria na Novacap, equipe técnica, equipamento e controle social, que é uma ferramenta estratégica para se alcançar a universalização”.
Inquietações
A professora Conceição apresentou algumas inquietações, a começar pela própria definição do conceito de universalização da drenagem e da métrica para se afirmar que se alcançou a universalização.
A segunda inquietação é sobre a métrica da falha, que é quando o sistema deixa de atender o que se propõe. “Ninguém nota que existe, mas quando falha nas chuvas todos nos alarmamos. Todas as soluções atuais estão sujeitas a falhas”, afirmou ela.
Outra preocupação é o suporte financeiro. Conceição considera inviável individualizar os serviços de drenagem, como ocorre com água e esgoto. “é uma dificuldade teórica, conceitual muito peculiar para definir a remuneração por esses serviços”. Conceição também apontou a disparidade de valor do solo urbano por região administrativa, assim como da renda, como variáveis para definir quanto o metro quadrado vai remunerar pelos serviços. Segundo ela, a benesse é que as regiões administrativas são relativamente homogêneas dentro delas em termos de padrão de valor e ocupação e valor do solo, que devem entrar na reflexão sobre remuneração dos serviços de drenagem.
Finalmente, ela questionou a qualidade e quantidade. “Não sabemos medir o impacto que o escoamento gera sobre ecossistemas urbanos quando a drenagem não funciona”.
Ela sugeriu a busca por financiamentos de fundos nacionais e internacionais que lidam com redução de riscos e desastres causados por mudanças climáticas para financiar a drenagem. E lembrou que soluções baseadas na natureza tem custos mais elevados, mas é preciso contabilizar os benefícios, que não estão entrando na conta. E reafirmou a bandeira dos debatedores anteriores: “temos caminhos que passam pela integração, planejamento urbano; não existe solução usando apenas subgrupos, precisamos de todos nós.”
Fortalecer drenagem na revisão do PDSB
O subsecretário de Acompanhamento Ambiental e Políticas de Saneamento, Aldo César Vieira defendeu a importância de reforçar a revisão do Plano Distrital de Saneamento Básico com foco nas questões de drenagem.
Ele explicou que o planejamento é fundamental para levar infraestrutura de drenagem para áreas mais carentes, que é um desafio grande. Ele citou investimentos da Secretaria de Obras de R$ 464 milhões, entre 2019 e 2024, em 43 obras de infraestrutura no DF, sendo que 26 delas já foram entregues. “Vamos aos poucos construindo um modelo de drenagem factível que conseguimos operar”. Ele lembrou que a Secretaria de obras está à frente da revisão do PSDB, contando com apoio técnico da ABES, da ADASA e Novacap.
A subsecretária de Projetos, Orçamento e Planejamento de Obras, Ery Brandi, falou sobre a dificuldade de realizar projetos de drenagem em áreas consolidades, já adensadas, principalmente originadas de ocupações irregulares, dando o exemplo do Sol Nascente. Ela defendeu que o governo deve trabalhar com planejamento para atender as demandas por habitação. “Trabalho tem que ser mais integrado. Quando o assentamento já existe não tem como mitigar. É uma dor que temos”.
Mesmo assim, ela afirmou que a Secretaria de Obras está buscando implantar obras de drenagem mais sustentáveis, como foi feito na via de ligação Guará – Núcleo Bandeirantes, onde foram implantadas bacias escavadas e caixa de filtração.
Não basta ter recursos
O último apresentador, o consultor Adauto Santos, foi categórico ao afirmar que universalizar é resolver 100% dos problemas de saneamento das áreas urbanas. Mas não basta ter os recursos na mesa. “os recursos são necessários, mas não são suficientes. Precisamos estruturar o setor, ter empresas em quantidade e qualidade suficientes para elaborar projetos e executar obras, articulações institucionais para viabilizar”.
Adauto listou os requisitos para se alcançar a universalização: articulação e integração entre os diversos agentes; padronização e definições de conceitos; fortalecimento da Novacap; atualização do PDSB e PDDU; estruturação de um modelo de prestação de serviços, com arranjo Institucional, planejamento das atividades, investimentos em ampliação e reposição de sistemas existentes, monitoramento, regulação e fiscalização e controle social.
Também apresentou ações de sustentabilidade técnica, onde entram a ampliação da mão de obra, uso de tecnologias apropriadas e conceitos modernos de drenagem sustentável, além da ampliação das operações de operação e manutenção e melhoria do monitoramento ambiental.
Adauto também enfatiza a necessidade de integrar ações que envolvem aspectos técnicos, econômicos, sociais e ambientais, além de integrar as ações de implementação, operação e manutenção.
“Solução integrada entre governo, empresas, sociedade civil, população. Sem envolver todo mundo não vamos conseguir universalizar”.
Perguntas do público
Uma das perguntas apresentadas pelo público foi sobre a melhor alternativa de remuneração, se taxa, tarifa ou fundo. Aldo defendeu uma taxa, como a de iluminação pública, enquanto Adauto explicou que os exemplos de tarifa existentes no Brasil não cobrem manutenção e ampliação da rede. Conceição abordou a questão que a utilização de subsídios cruzados, com mecanismos de suavização do custo para população de baixa renda, tem fragilidades. Ela disse que mesmo em outros países as tarifas são insuficientes.
Apesar das imensas dificuldades para se alcançar a universalização, a professora Conceição lembrou que utopias existem para caminharmos para frente.
FONTE: ABES-DF